Avançar para o conteúdo principal

São Jorge (2016) [SPOILERS]

Realizador:
Marco Martins

Argumento:
Ricardo Adolfo,
Marco Martins

Data de lançamento (Portugal):
09 de Março de 2017

Género: Drama

Enredo:
O filme começa como costumam começar os filmes portugueses: com um enorme e incómodo silêncio. Entretanto, surge um texto que explica o contexto do filme: o ano de 2011 é o chamado "ano da Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia)", onde esta "entidade" intervém na economia portuguesa para resolver o problema crescente da dívida, quer soberana, quer das famílias e empresas, que se vêem sem meios de pagar essas dívidas.
É neste contexto que um antigo boxeador desempregado se vê obrigado a trabalhar como "agente activo" (nomenclatura inventada) numa agência de cobrança de dívidas, para convencer a mãe do seu filho a não voltar para o Brasil.


Opinião[SPOILERS](Agapito):
O trailer fez-me criar imensas expectativas: um excelente elenco, uma narrativa apelativa, um tema forte, que suscita emoções.
O filme em si, desiludiu-me: do impacto emocional que é apresentado no trailer, fico com a impressão que essa emoção é um bocado de manteiga que é mostrado e depois barrado por quase duas horas de filme.
Senão vejamos: é um boxeador desempregado(de nome Jorge), que vive com os pais: OK. A mulher (de quem está separado) trabalha num serviço de limpezas: Tudo bem. Dito Jorge, durante quase todo o filme, é quem cuida do filho: se tem de ser, tem de ser. A mulher trabalha à noite, e portanto fica a cargo do pai. (Quase)Nada a apontar.
O pai do Jorge está no meio de um litígio com a empresa onde trabalha, por vencimentos em atraso, a mãe dele não trabalha e não consegue arranjar emprego. Portanto, o Subsídio de Desemprego não funciona para o pai.
Entretanto, o pouco dinheiro que ganha (Jorge), entrega-o à mãe do filho, que o aceita, depois de (vá) ainda dizer que ele precisa do dinheiro para cuidar da criança.
Como assim? O miúdo não come? Não fica doente, não toma banho, quando está com o pai? Se o amor é lindo, onde está o amor pelo filho?
Entretanto, mostra-se uma cena do passado recente, onde se mostra Jorge a perder um combate de boxe, mas onde recebe na mesma. Muda a cena para um diálogo entre pai e filho, onde o filho parece estar "traumatizado" pelo pai combater. Eu compreendo que seja difícil para um filho ver um pai a lutar. Mesmo assim é, supostamente, o trabalho do pai, portanto não decidiu de repente ir para dentro de um ringue levar na boca: houve treino, houve dedicação.
Outro ponto engraçado: uma das razões citadas para Jorge ter perdido o combate foi que "não come". 

Então, mas o Clube não apoia os seus atletas, principalmente aqueles com dificuldades? É mesmo a "falta de comida" que o faz perder combates? Não ganham dinheiro pelos combates? Isto é que é desesperante, por todas as más razões (para o objectivo do filme).
Houve uma cena que me fez "ligar" à emoção do filme: a cena do carrinho de supermercado. Essa cena, sim, fez-me sentir o desespero, a necessidade, a humilhação da esmola. Essa cena demonstrou-me que os tempos são maus, que há necessidade, pelo silêncio de todo aquele momento.

Chega a necessidade de trabalhar como "agente activo" (nome que inventei para representar o tipo que vai lá amassar caloteiros). Se é um trabalho precário? Sim. Se é um trabalho indigno? Sim. Se representa a opressão imoral dos credores sobre os devedores? Claramente. Mas...
...nem a precisar de comer, de dar de comer ao filho, de ajudar a mãe do filho, de já ter estado em situações de ambiente violento (que, apesar de tudo, as lutas de boxe ainda são exigentes fisica e mentalmente), afasta-se? Nem sequer se dá ao trabalho de estar perto dos seus patrões, essa gente que lhe paga  para ele estar ali e pelo menos ter um ar intimidante? Onde está a necessidade de receber dinheiro, pela sua família? Onde está o retrato da desgraça do protagonista? Não digo para se ter pena mas, que raio, que se mostre que de facto há ali necessidade!
Imaginem o seguinte cenário, entre Jorge e a mulher, mãe do seu filho:
Mulher: "Então, mas não trabalhas mais, porquê?"
Jorge: "Ah, não me estava a sentir bem, a dar tabefes no dono da frutaria, que tem dois filhos, uma casa e uma empresa que continua a carregar frutas para trás e para a frente...tenho aqui um grande dilema moral..."
Mulher: "Então e agora, quem é que dá de comer ao puto? É a tua moral? É que o que eu ganho mal dá para comer e lavar a roupa, e se eu chego suja ao trabalho, dizem-me logo que não pode ser, que se quero continuar a receber, tenho que aparecer limpinha!"
Jorge: "Ah, pois, não sei...é uma desgraça...coitadinho de mim..."
Mulher: "E é assim que é suposto convenceres-me que ficar aqui, contigo desempregado, com um filho para criar, a trabalhar em limpezas em vez de ir para o Brasil, é uma boa ideia??"
Noto que o pai de Jorge é racista e não aprova a relação, pelo que a mulher saiu de casa. Não a censuro. Mas mesmo essa situação é estranha: mesmo com esse abuso, mesmo com as faltas de respeito e insultos à mulher com o filho ao lado, não se lhe vê uma gota de iniciativa!
Não vos quero estragar mais o filme, que há mais cenas no filme que se assemelham a esta. 
Mas, realmente, fiquei triste. Um tema tão pujante, tão real, tão próximo a tanto português, transformado num drama delico-doce, cheio de dilemas morais vazios de conteúdo, com o objectivo de "coitadinhificar" o protagonista que, apesar de estar a passar por dificuldades, quando tem a oportunidade de se re-erguer, se perde numa moral bacoca, cujo único proveito é...o chefe pagar-lhe, apesar de nem sequer estar a fazer nada.

Apesar disso, é o único filme que se esforça por representar os "terríveis anos da Troika" em Portugal. Vejam, que apesar de eu não ter ficado fã, vale a pena ver.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Beowulf (Beowulf)

Realizador: Robert Zemeckis Argumento: Neil Gaiman , Roger Avary Data de lançamento: 23 de Novembro de 2007 Agapito's Opinion: É o relato animado/real da história épica de Beowulf, um aventureiro a quem é pedido que elimine o monstro Grendel, ao que a mãe de Grendel executa vingança. A história não é nova, pelo que fica aqui o link para a Wikipédia, caso estejam interessados em saber... Não há muito a dizer: os desenhos estão bem feitos, basearam-se nos actores. O único ponto de interesse será o facto de haver uma opção digital e em 3D, que precisa de óculos para se ter a percepção do espaço mais profunda. É um bom filme de entretenimento, para quem não quer usar o cérebro. MauMau's Opinion: Bem a minha opinião é um pouco diferente uma vez que eu adorei o filme, não vi a versão em 3d fiquei-me pela digital no Campo Pequeno... tenho que dizer que adorei a qualidade... em termos de produção o melhor filme em 3D até hoje batento de longe o Final Fantasy. O filme